Exposição dos painéis Guerra e Paz (14x10m), os dois maiores e últimos murais pintados pelo artista brasileiro Candido Portinari, que voltaram ao Brasil depois de mais de 50 anos expostos em local de acesso restrito na sede da ONU em Nova York.
Nada melhor do que inaugurar o blog com uma ótima exposição, não é mesmo? Aproveitei o domingo pós-carnaval para ir até o Memorial da América Latina, visitar a exposição Guerra e Paz, que já está em São Paulo desde o dia 7 de fevereiro desse ano. Posso dizer que foi uma experiência de arrepiar!
A exposição se divide em 3 espaços:
- Salão de Atos Tiradentes: Nesse local estão expostos os dois painéis pintados por Portinari de 1952 a 1956. São murais enormes, com 14 metros de altura por 10 metros de largura cada um, estão dispostos um de frente para o outro em uma sala toda escura (paredes, teto e piso pretos) com focos de luz em ambas as obras. Após 15 ou 20 minutos de apreciação das obras, quando você acha que já explorou a obra inteira, inicia-se um vídeo impecável de aproximadamente 8 minutos. O vídeo me emocionou ao citar o poema "A Mão" de Carlos Drummond de Andrade, escrito logo após a morte do pintor em fevereiro de 1962. Além disso é feita uma análise dos painéis com apoio no poema "A Guerra e a Paz de Portinari" de Fernando Brant, na voz de Milton Nascimento, juntamente com focos de luz que iluminam as partes dos murais conforme elas são citadas no poema.
- Galeria Marta Traba: Espaço preenchido por uma exposição dos estudos do pintor para criar Guerra e Paz. São cerca de 100 estudos que apresentam a evolução do trabalho, desde o primeiro rascunho feito à lápis, até trechos dos painéis pintados separadamente. Há também recortes de jornais e cartas que mostram a repercussão da obra em todo o mundo, um vídeo que relata como os painéis foram transportados dos Estados Unidos da América para o Brasil, detalhes de sua restauração e montagem. E, nas paredes onde não há obras e rascunhos expostos, há frases emocionantes de pessoas que admiravam o Portinari, entre elas, muitos poetas, diretores de museus de todos os cantos do mundo, outros pintores e amigos próximos.
- Biblioteca Latino Americana: Há uma sala com vários bancos individuais e fones de ouvido para os visitantes se acomodarem e apreciarem projeções da obra completa de Candido Portinari (mais de 5 mil obras) em ordem cronológica.
Um pouco mais sobre o foco principal da exposição...
|
O painel Guerra apresenta tons escuros e frios, predominantemente o azul. Ao contrário do que vemos em obras de outros pintores, Portinari conseguiu passar todo o sentimento da dor de uma guerra sem retratar armas ou sangue. O pintor transmitiu o sofrimento através das expressões estampadas nos rostos das figuras representadas, de suas posições e gestos de choro e corpos de pessoas mortas.
|
Já o painel Paz traz cores mais claras e predominância de tons dourados e alguns mais vivos, como o laranja, o amarelo e o vermelho. Apresenta figuras alegres, meninos no balanço, rodas de dança, expressões mais felizes e mãos entrelaçadas. A pintura revela uma leveza, harmonia.
"...uma pintura que não fala ao coração não é arte, porque só ele a entende. Só o coração nos poderá tornar melhores e é essa a grande função da Arte. Não conheço nenhuma grande Arte que não esteja intimamente ligada ao povo.
As coisas comoventes ferem de morte o artista e sua única salvação é retransmitir a mensagem que recebe. Eu pergunto quais as coisas comoventes neste mundo de hoje? Não são por acaso as tragédias provocadas pelas guerras, as tragédias provocadas pelas injustiças, pela desigualdade e pela fome? Haverá a natureza qualquer coisa que grite mais alto ao coração do que isso?..."
- Trecho do discurso proferido por Portinari a intelectuais e artistas em Buenos Aires, 1947.
Para os mais interessados, aqui vão os dois poemas que eu citei lá em cima:
A GUERRA E A PAZ DE PORTINARI
Fernando Brant
"A guerra é uma
cavalgada
cruzando o azul da paisagem
cortejo de fome e de morte
ferindo o coração dos homens
A mulher velando o filho
morto
a mulher e a criança chorando
a mãe e a filha em desespero
de cabeças rolando na grama
A guerra são os quatro
cavalos
regendo a sinfonia de dores
são os braços erguidos em
prece
pedindo o final dos horrores
A paz é um coro de meninos
é a voz eterna da infância
as mulheres dançando na roça
os meninos pulando carniça
É a noiva de branco sorrindo
na garupa de um cavalo branco
a mulher carrega um carneiro
crianças no espaço balançam
A paz está nos meninos
que brincam nos campos da
infância
nos homens, nas mulheres
cantando
a harmonia, a
esperança."
A MÃO
Carlos Drummond de Andrade
"Entre o cafezal e o
sonho
a mão está sempre compondo
O garoto pinta uma estrela
dourada
na parede da capela,
E nada mais resiste à mão
pintora.
A mão cresce e pinta o que
não é para ser pintado mas sofrido.
A mão está sempre compondo
módul-murmurando
o que escapou à fadiga da
Criação
e revê ensaios de formas
e corrige o oblíquo pelo
aéreo
e semeia margaridinhas de
bem-quer no baú dos vencidos.
A mão cresce mais e faz
do mundo como-se-repete o
mundo que telequeremos.
A mão sabe a cor da cor
e com ela veste o nu e o
invisível.
Tudo tem explicação por que
tudo tem (nova) cor.
Tudo existe por que foi
pintado à feição de laranja mágica,
não para aplacar a sede dos
companheiros,
principalmente para aguçá-la
até o limite do sentimento
domicílio do homem.
Entre o sonho e o cafezal
entre guerra e paz
entre mártires, ofendidos,
músicos, jangadas, pandorgas,
entre os roceiros mecanizados
de Israel,
a memória de Giotto e o aroma
primeiro do Brasil
entre o amor e o ofício
eis que a mão decide;
todos os meninos, ainda os
mais desgraçados,
sejam vertiginosamente
felizes
como feliz é o retrato
múltiplo verde-róseo em duas
gerações
da criança que balança como
flor no cosmo
e torna humilde, serviçal e
doméstica a mão excedente
em seu poder de encantação.
Agora há uma verdade sem
angústia
mesmo no estar-angustiado.
O que era dor é flor,
conhecimento
plástico do mundo.
E por assim haver disposto o
essencial,
deixando o resto aos doutores
de Bizâncio,
bruscamente se cala
e voa para nunca-mais
a mão infinita
a mão-de-olhos-azuis de
Candido Portinari.
Serviço da exposição:
Entrada franca!
Quando: 3ª a Domingo, das 9h às 18h
Onde: Memorial da América Latina - Av. Auro Soares de Moura Andrade, 664 - Metro Barra Funda - São Paulo, SP
Até quando: 21 de abril
Links relacionados: http://www.guerraepaz.org.br/
(explore os painéis pelo site também!! Dá para ver todos os detalhes bem de perto! Muito bom!)
É isso! Espero que vocês tenham gostado e aproveitem a oportunidade de conhecer a maior obra de Portinari!!
"Os painéis Guerra e Paz representam sem dúvida o melhor trabalho que eu já fiz...Dedico-os à humanidade..."
Candido Portinari em entrevista para a Agencia Reuters em 1957.
Beijos,
Natália Ferreira
Rádio e TV - 3º semestre
Nenhum comentário:
Postar um comentário